II MacabeusSelecione outro livro


Capítulo 6 de 15

1Pouco tempo depois, um ancião ateniense foi enviado pelo rei para forçar os judeus a abandonar os costumes dos antepassados, para banir as leis de Deus da cidade.

2Mandou-o também profanar o templo de Jerusalém, dedicá-lo a Júpiter Olímpico e consagrar o do monte Garizim, segundo o caráter dos habitantes do lugar, a Júpiter Hospitaleiro.*

3Dura e penosa foi para todos essa avalanche de mal.

4O templo encheu-se de lascívias e orgias dos gentios que se divertiam com meretrizes, unindo-se às mulheres nos átrios sagrados e introduzindo coisas proibidas.

5O altar estava coberto de vítimas impuras, interditas pelas leis.

6Não se permitia mais guardar os sábados, a celebração das antigas festas, nem mesmo confessar-se judeu.

7Em cada mês, no dia natalício do rei, realizava-se um sacrifício. Os judeus eram odiosamente forçados a tomar parte no banquete ritual e, por ocasião das festas em honra de Dionísio, deviam forçosamente acompanhar o cortejo de Baco, coroados de hera.

8Por instigação dos ptolomeus, foi publicado um decreto que obrigava as cidades helênicas dos arredores a tratar os judeus do mesmo modo e levá-los à participação nos banquetes rituais, com a ordem de matar os que se recusassem a adotar os costumes helênicos.*

9Podiam-se, pois, prever as aflições que os aguardavam.

10Assim, duas mulheres foram acusadas de circuncidarem seus filhos. Foram arrastadas publicamente pela cidade, com seus filhos pendurados aos peitos e precipitadas do alto das muralhas.

11Outros se haviam retirado às cavernas vizinhas para celebrar secretamente o dia de sábado. Denunciados a Filipe, foram todos queimados, pois não ousaram defender-se, pelo respeito à santidade do dia.

12Suplico aos que lerem este livro, que não se deixem abater por esses tristes acontecimentos, mas que considerem que esses castigos tiveram em mira não a ruína, mas a correção de nossa raça.

13É sinal de grande benevolência a seu respeito o fato de não suportar por muito tempo os maus e de, ao contrário, castigá-los imediatamente.

14Quanto às outras nações, o Senhor espera pacientemente, antes de puni-las, que tenham enchido a medida de suas iniquidades. A nós, porém, ele prefere não nos tratar assim,

15com receio de ter que nos punir mais tarde, quando tivermos pecado demasiadamente.

16Assim, não nos retire ele jamais a sua misericórdia e não abandone seu povo, no momento em que o corrige pela adversidade!

17Mas que tudo isso seja dito apenas a título de lembrança. Com estas palavras, voltemos à narração.

18Havia um certo homem já de idade avançada e de bela aparência, Eleazar, que se sentava no primeiro lugar entre os doutores da Lei. Queriam coagi-lo a comer carne de porco, abrindo-lhe a boca à força.

19Mas ele, cuspindo e preferindo morrer com honra a viver na infâmia,

20caminhou voluntariamente para o instrumento de tortura, como devem caminhar os que têm a coragem de rejeitar o que não é permitido comer por amor à vida.*

21Os encarregados desse ímpio banquete ritual, já desde muito tempo possuíam relações de amizade com Eleazar. Tomaram-no à parte e rogaram-lhe que fizesse trazer as carnes permitidas, que ele mesmo tivesse preparado, para comê-las como se fossem carnes do sacrifício, conforme tinha ordenado o rei.

22Desse modo, ele seria preservado da morte, e granjearia sua benevolência em vista da velha amizade.

23Mas Eleazar, tomando uma nobre resolução, digna de sua idade, da autoridade que lhe conferia sua velhice, do prestígio que lhe outorgavam seus cabelos brancos, da vida íntegra conservada desde a infância e digna sobretudo das sagradas leis estabelecidas por Deus, preferiu ser conduzido à morte.

24“Não é próprio da nossa idade – respondeu ele – usar de tal fingimento, para não acontecer que muitos jovens suspeitem de que Eleazar, aos noventa anos, tenha passado aos costumes estrangeiros.

25Eles mesmos, após o meu gesto hipócrita, e por um pouco de vida, se deixariam arrastar por causa de mim, e isso seria para a minha velhice a desonra e a vergonha.

26E mesmo se eu me livrasse agora dos castigos dos homens, não poderia escapar, nem vivo nem morto, das mãos do Todo-poderoso.

27Sendo assim, se eu morrer agora, corajosamente, vou mostrar-me digno de minha velhice e terei deixado aos jovens um nobre exemplo de zelo generoso, segundo o qual é preciso dar a vida pelas santas e veneráveis leis.”

28Ditas essas palavras, dirigiu-se diretamente ao suplício.

29Aqueles que o levavam trans­­formaram em dureza a benevolência manifestada pouco antes, julgando insensatas suas palavras.

30E quando ele estava prestes a morrer sob os golpes, exclamou entre suspiros: “O Senhor, que possui a ciência santa, vê perfeitamente que, podendo eu livrar-me da morte, sofro em meu corpo os tormentos cruéis dos açoites, mas os suporto com alma alegre porque é a ele que temo”.

31Dessa maneira passou à outra vida, deixando com sua morte não somente aos jovens, mas também a toda a sua gente, um exemplo de coragem e um memorial de virtude.